Queda Significativa no Hábito de Ler
A leitura no Brasil apresenta um cenário alarmante, com estudos revelando que o hábito de ler está em declínio. Em um país de mais de 200 milhões de habitantes, 53% da população não leem. Esse dado, que levanta preocupações, surge no contexto da Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, que ocorre entre os dias 23 e 29 de outubro.
Atualmente, existem cerca de 93,4 milhões de leitores no Brasil — indivíduos que leram pelo menos um livro nos últimos três meses — o que representa 47% da população. Esse número é oito pontos percentuais inferior ao registrado em 2007, quando 55% dos brasileiros se declaravam leitores, conforme aponta a sexta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Ministério da Cultura.
Avanço do Analfabetismo Funcional
Além da queda percentual, o estudo indica uma diminuição na capacidade de concentração e compreensão dos leitores, um alerta sobre o crescimento do analfabetismo funcional. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), essa condição se refere a pessoas que, embora consigam reconhecer letras e números, não possuem a habilidade de interpretar textos simples e aplicar a leitura e escrita em sua vida diária, impactando negativamente seu desenvolvimento pessoal e sua cidadania.
Em um pronunciamento feito em 14 de outubro, véspera do Dia do Professor, o senador Confúcio Moura (MDB-RO) ressaltou a gravidade da situação e a relação com a falta de continuidade nas políticas públicas.
— Milhões de alunos frequentam a escola, mas não aprendem o mínimo esperado. Esse colapso silencioso e persistente aprofunda desigualdades e compromete o futuro do país, reduzindo a produtividade, a inclusão e a cidadania — enfatizou o senador. — Alfabetizar bem é libertar, dando a cada criança o poder da palavra, o acesso ao pensamento crítico e à vida plena em sociedade. Nenhuma política pública será mais eficaz do que aquela que assegure o direito de aprender a ler e escrever com compreensão, prazer e dignidade a cada menino e menina deste país.
Desafios da Leitura
A pesquisa revela não apenas a diminuição do hábito de ler, mas também um declínio na compreensão do material lido. Um em cada três entrevistados (36%) relatou barreiras como falta de concentração ou compreensão limitada. Além disso, a falta de paciência e foco para leitura aumentou dramaticamente, de 18% em 2007 para 40% em 2024. O professor Adauto Garcia Júnior, do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), sugere que essa queda está relacionada ao acesso à informação instantânea, amplamente disponível na internet e nas redes sociais.
O prazer pela leitura também parece estar em declínio, com a porcentagem de pessoas que afirmam “gostar muito” de ler caindo de 31% em 2019 para 26% em 2024. Em contrapartida, a proporção de indivíduos que não gostam de ler aumentou de 22% para 29%. A pesquisa ainda evidencia a influência de fatores socioeconômicos e educacionais, mostrando que pessoas com ensino superior e maior renda tendem a ter mais afinidade com a leitura do que aquelas com menor escolaridade e renda.
Garcia Júnior destaca que o amor pela leitura se origina da curiosidade e do afeto. A presença de livros em casa e o exemplo de pais leitores têm um impacto duradouro no desenvolvimento desse hábito.
— Para que a leitura floresça, ela precisa ser uma experiência viva, capaz de despertar emoção, diálogo e propósito. Pais, professores e líderes desempenham um papel crucial em transformar essa curiosidade natural em hábito, cultivando tanto o prazer da leitura quanto a reflexão que ela provoca — explica.
A Influência da Tecnologia
Quando indagados sobre suas preferências de lazer, os brasileiros apontam o uso da internet e das redes sociais como atividades muito mais atrativas do que a leitura de livros. Para Garcia Júnior, a competição pela atenção com dispositivos eletrônicos representa um grande desafio na formação de novos leitores.
— Vídeos curtos, jogos e interações nas redes sociais oferecem gratificações instantâneas que a leitura de um livro não consegue competir, uma vez que exige maior concentração — comenta.
A recente proibição do uso de tablets e celulares nas escolas, estabelecida pela Lei 15.100, de 2025, já mostra resultados positivos, com um aumento considerável no número de empréstimos em bibliotecas escolares, segundo relatos dos educadores. Guizilla Cola, escritora e diretora do Colégio Sigma, uma instituição de ensino no Distrito Federal, confirma que a remoção dos celulares ajudou a recuperar a concentração dos alunos, mas defende a necessidade de uma integração entre tecnologia e propostas pedagógicas.
— Proporcionar um significado e um propósito ao que os alunos leem é fundamental. O interesse precisa ser despertado, e as escolas podem proporcionar essa estimulação por meio de leituras compartilhadas, rodas de conversa e até ebooks — sugere.
O Papel das Bibliotecas na Formação de Leitores
Apesar do crescimento do uso de audiolivros e da preferência por livros impressos, a participação das bibliotecas públicas na formação de leitores é cada vez mais prejudicada. Apenas 5% dos entrevistados afirmaram que essas instituições são sua principal fonte de acesso a livros.
— As bibliotecas desempenham um papel vital na promoção da leitura, permitindo o acesso e o empréstimo de livros, além de criar espaços de convivência e cultura — afirma Garcia Júnior.
Entretanto, muitos brasileiros ainda associam bibliotecas a espaços silenciosos voltados apenas para pesquisa, o que limita seu potencial. De fato, 75% dos entrevistados relataram nunca frequentar uma biblioteca, um aumento em relação aos 68% em 2019.
No contexto das políticas educacionais, a necessidade de revitalizar as bibliotecas e expandir o acesso à leitura é urgente. O novo Plano Nacional de Educação (PNE), que se encontra em análise no Congresso, busca assegurar que todas as crianças estejam plenamente alfabetizadas até o final do segundo ano do ensino fundamental. Além disso, o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE), sancionado em 2024, visa reforçar a educação pública e estimular a criação de bibliotecas no Brasil.


