O Fantasma da Censura
Nos últimos anos, a celebração do Halloween, tradicionalmente marcada por fantasias e decorações temáticas, se tornou um campo de batalha na ideologia cultural da Rússia. Matvey, um jovem de 19 anos que preferiu não revelar seu sobrenome, expressou sua desilusão com a repressão atual. Sonhando em se fantasiar de One Punch Man, ele viu seus planos esmorecerem diante das novas restrições do governo e a criminalização do evento. Em sua visão, a luta do Kremlin contra o Halloween representa uma tentativa de silenciar o que consideram influências ocidentais.
Alexander Verkhovsky, diretor do Centro SOVA, que investiga a intersecção entre religião e sociedade na Rússia, destaca que o Kremlin categoriza o Ocidente como um espaço dominado por “nazistas satanistas” e “sexualmente desviantes”. Para ele, o Halloween simboliza essa suposta corrupção e, por isso, se tornou um alvo no combate à cultura ocidental. “A festa é vista como uma representação da influência ocidental sobre nossa juventude”, afirma Verkhovsky, em um telefonema de Moscou.
A resistência ao Halloween não é uma novidade na Rússia, mas a intensificação da cruzada contra a celebração ocorreu após a invasão da Ucrânia em 2022. A antropóloga social Aleksandra Arkhipova observa que, com a escalada do conflito, os críticos conservadores se tornaram ainda mais vocais, propondo uma verdadeira caçada às tradições que consideram ultrajantes.
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Fonte: alagoasinforma.com.br
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Fonte: agazetadorio.com.br
Proibições e Repressões
No ano anterior, um legislador da câmara alta do Parlamento russo chegou a sugerir a proibição do Halloween nas escolas. A exibição de símbolos considerados “satanistas” pode resultar em multas superiores a R$ 130 ou até 15 dias de prisão. Muitas instituições de ensino decidiram cancelar as festividades, e até os alunos da Universidade Estadual de Moscou receberam um aviso para não comparecer ao campus com trajes de Halloween.
O caso da Nekro Comic Con exemplifica até onde o governo está disposto a ir para reprimir essa celebração. Organizado com a promessa de um labirinto do Minotauro, flash mobs e apresentações inspiradas em zumbis, o evento tinha um roteiro aprovado pela prefeitura. Contudo, a pressão de grupos conservadores, como o Forty by Forty, que advogam por valores tradicionais e o aumento da presença da Igreja Ortodoxa, levou a uma forte reação. Eles classificaram a comemoração como um “festival satânico” e incitaram ações contra os organizadores.
Conflito e Resiliência
Apesar das advertências, os organizadores do evento mantiveram sua posição. No entanto, dois dias antes da festa, foram convocados a uma reunião pelo governo local, que sugeriu o cancelamento. Após resistirem, enfrentaram a visita da polícia e da guarda nacional, que apreendeu equipamentos e deteve um dos organizadores, Aleksei Samsonov. Mesmo após a repressão inicial, conseguiram montar a estrutura do evento durante a noite com móveis substitutos.
O festival começou sob a expectativa, mas logo enfrentou a chegada de agentes de segurança e antidrogas. Surpreendentemente, as inspeções não revelaram quaisquer irregularidades, como relatou Dmitri Trushkov, um dos responsáveis pelo evento. Contudo, às 18h, a licença do evento foi revogada, sob a alegação de que a festa não se tratava de uma exibição, mas de um festival de música.
Consequências e Reação Popular
Uma das detenções ocorridas foi de um homem que portava símbolos que as autoridades consideram extremistas. Ele foi condenado a 12 dias de detenção. Os organizadores do evento alegaram terem perdido cerca de 1 milhão de rublos devido à repressão, e Samsonov, após 20 anos de carreira na Rússia, será deportado ao Cazaquistão.
A Igreja Ortodoxa Russa, uma aliada do governo, também tem desempenhado um papel fundamental nessa cruzada. Verkhovsky explica que, segundo a narrativa da Igreja, a Rússia está em uma luta contra um “satanismo global” que supostamente influenciou a Ucrânia e o Ocidente. Recentemente, a Suprema Corte da Rússia rotulou o “movimento internacional do satanismo” como uma organização extremista, seguindo o mesmo caminho do movimento LGBT.
Resistência Cultural
Apesar da repressão, muitos jovens ainda desafiavam as proibições de forma audaciosa. Na última celebração de Halloween, as ruas de São Petersburgo estavam repletas de pessoas vestidas de maneira fantasmagórica, participando de festas e exibindo abóboras e caveiras. “Para a maioria dos jovens, é apenas uma forma de diversão”, disse Matvey, reforçando que uma simples proibição não será suficiente para alterar a mentalidade da juventude. “Nossa vida já é assustadora o suficiente”, finalizou, sinalizando uma resistência cultural que persiste mesmo sob forte repressão.


